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Guerra Fria sem Fim

FREDERICO MORIARTY – Em menos de três anos morreram três líderes soviéticos. A crise política era acentuada pela econômica. A corrida armamentista consumia 10% do PIB norte-americano e 40% da renda do país comunista. A solução era trazer um jovem economista para o Politburo: Mikhail Gorbatchev. O camarada Gorbi adotou uma política de contenção e aproximação com os Estados Unidos. Ao mesmo tempo lançou o audacioso plano de reformas neoliberais denominada Perestroika. Propôs ainda democratizar o país e a relação com as Repúblicas Socialistas, por meio da Glasnost. Virou celebridade, recebeu Nobel da Paz, lançou livro e vendia mais que Sidney Sheldon. A Guerra Fria derretia.
Mas para Stallone as ideias estavam fora do lugar. Nos anos 70, o ator mediano encarna a esperança branca no boxe. O Garanhão Italiano era a única forma de um peso-pesado superar a supremacia negra de Cassius Clay, George Foreman e cia. Os lutadores de boxe e a categoria dos pesados eram tão populares no mundo quanto o futebol(isso entre os anos 60 até o ocaso de Mike Tyson). Nesses quase 40 anos nenhum lutador branco se destacou. Rocky Balboa vingaria a América dos pais fundadores. O ator canastrão ganhou vários Oscar com o filme de 1976. Nós, a multidão silenciosa, caíamos em lágrimas com a história de superação e luta. Rocky virou série. Stallone tornou-se o herói americano dos anos 80, incluindo aí o soldado que venceu sozinho a Guerra do Vietnã: Rambo.
Outro ator canastrão, Ronald Reagan, presidiu os EUA entre 1980 e 1988. Ultraconservador nos costumes, Reagan abriu as portas à globalização. Enquanto quebrava as fronteiras comerciais, mantinha um anticomunismo feroz. Um ano depois da Perestroika, Stallone irá salvar a América do comunismo. Rocky 4 trouxe a vingança do lutador americano. No filme, Apollo Creed, o boxeador negro amigo de Rocky é espancado até a morte por um lutador soviético. Ivan Drago era um armário de 2m e 120kg de músculos. Impiedoso, brutal e com cara demoníaca, afinal os comunistas não sorriem.
Rocky repete o mesmo modelo dos três primeiros filmes: raiva, ceticismo, treino pesado (na Sibéria, neste caso) e desafios impossíveis. Não era mais uma luta de boxe, agora teríamos Capitalismo versus Socialismo; Oeste versus Leste. Até os shorts dos lutadores eram um retrato de uma Guerra Fria que acabara há 30 anos. Rocky vestia a bandeira americana; Drago, a foice e o martelo num cetim vermelho. O maniqueísmo era tanto que a namorada de Rocky era a pobre e indefesa Adrian. Drago trazia uma robô sem sentimentos (e cara de muito má). Era preciso odiar o comunismo. O filme é péssimo, mas um retrato de como pode ser amarga a extrema direita. Nem a música escapa da mediocridade: a trilha sonora original do primeiro filme é marcante. No filme seguinte tivemos Eye of the tiger. Rocky 4 conseguiu ser pior que um cd dos Los Hermanos.
Mas é exatamente por isso que merece ser visto: como uma lição do que não fazer e por trazer o espírito da época. Um Rocky brasileiro atual enfrentaria um boxeador venezuelano com seu esquizi de piroca.

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