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O Futebol Total holandês: como a Laranja Mecânica revolucionou o esporte nos anos 70


FREDERICO MORIARTY – Dirceu parecia Gulliver na terra de Brobdingnag. A personagem de Jonathan Swift deixara Lilliput onde era um gigante em meio à monarquia e agora via-se frente a homens onze vezes maiores. O ponta falso Dirceu vestia a mística camisa da Seleção Brasileira, terra do sobrenatural Pelé e que havia ganhado três das últimas quatro copas. Atordoado em toda a partida, o Brasil desceu o sarrafo na Holanda, país que voltava a disputar uma Copa depois de 36 anos.
Os neerlandeses bailavam no gramado alemão como se fosse uma valsa. Mesmo com a vitória fácil, cercavam os pobres tricampeões mundiais. Dirceu, por volta dos 30 minutos do segundo tempo, encontrou-se atacado por 9 adversários. Nunca o mundo do futebol vira algo semelhante. Era o “Futebol Total” holandês na Copa da Alemanha de 1974.
Dirceu cercado pelos gigantes holandeses (Foto: Jornal O Globo)
As origens do Carrossel Holandês
Marinus Jacobus Hendrics Michels anotou 127 gols com a camisa do Ajax da Holanda, entre 1947 e 1958. Uma dor insistente nas costas o fez abandonar a carreira. Em 1965, ele passou a dirigir seu time do coração. Montou boas equipes, mas nas temporadas 1968 e 1969 foi triturado pelo Feyenoord Roterdã, de Hernest Happel, o técnico austríaco que faturou dois títulos nacionais e de quebra dirigia o primeiro time holandês a ser campeão da Champions League e do Mundial de Clubes.
Uma jovem e talentosa geração de jogadores apareceu no Ajax a partir de 1969: Kroll, Neeskens, Rep, Haan e o maior jogador holandês da história, Johan Cruyff (sempre aparece na lista da Seleção imortal da Fifa, ao lado de Pelé). Praticando um futebol ofensivo de marcação triangular, com inversões de posições o Ajax conquistou tudo. Foi campeão holandês em 1969, batendo outro arquirrival, o PSV Eindhoven. Foi à final da Champions mas acabou goleado impiedosamente pelo Milan (4 a 0).
No triênio 1971 a 1973, foi um time imbatível. Tricampeão holandês, tri da Copa da Holanda e o mais importante: o tricampeonato da Champions League, com direito a vingança, pois na semifinal de 1973 meteram 6 a 0 no Milan. Perdeu os mundiais? Não, só disputou e venceu o de 1972. Preocupados com a violência dos times argentinos, desistiram do torneio de 1971 e 1973.
O ataque fez 100 gols em 34 jogos do campeonato holandês em 1971. Outros 104, no ano seguinte, e 102, no ano do Tri. Uma absurda média de três tentos por partida durante três anos seguidos! Entre 1972 e 73, obteve 46 vitórias consecutivas em seu estádio. Outro número: uma atrás da uma, empilhou 26 vitórias no mesmo campeonato. Tais marcas são recorde da Fifa até hoje. Era tão bom torcer para o Alvirrubro holandês nos 70 como para o Alvinegro praiano nos anos 60, o Santos de Pelé.
O Amsterdamsche Football Club Ajax (1973) no site do glorioso AFC Ajax
O técnico Rinus Mitchell virou lenda e foi contratado pelo Barcelona da Espanha em fins de 1971. Stefen Kovacs, seu auxiliar, assumiu o cargo em 1972 e manteve o estilo de jogo. Em março de 1974, a Federação Holandesa convida Mitchell para dirigir a seleção nacional do país na Copa da Alemanha que ocorreria em junho. Ele convoca o time todo do Ajax, mais alguns jogadores do Feyenoord e vários do PSV (muitos deles que haviam se transferido do time de Roterdã).
Entre eles o goleiro Jan, o meia Janssen, o atacante Resembrink e os gêmeos René e William Kerkhoff. Problema sério: os dois grupos se odiavam. Mitchell teve dois meses para convencê-los a unirem-se em função do “Futebol Total”. Os Juden e seu ex-técnico dariam origem à incomparável Clockwork Orange.
Fonte: site Imortais do Futebol
A Laranja Mecânica faz história
Trinta e dois anos depois, a Alemanha, então República Federal da Alemanha, poderia organizar uma Copa em substituição à de 1942, que o nazismo alemão impediu de ocorrer. Os analistas indicavam como favoritos ao título: os anfitriões, além da Itália, da jovem Argentina, do forte e experiente Uruguai e, claro, do último campeão do mundo, a Seleção brasileira tricampeã mesmo sem Pelé.
A Holanda estreou contra o Uruguai. A Celeste Olímpica vinha mais forte do que a seleção que terminou a Copa de 1970, em quarto lugar. Os sul-americanos eram bicampeões mundiais. Já os europeus estavam sem disputar os últimos seis mundiais. Foi um passeio. Literalmente. os uruguaios foram postos na roda. Os 2 a 0 no placar final eram enganosos. Mazurkiewizc, o goleiro portenho, fez pelo menos quatro defesas milagrosas.
Um defeito aparecia ali, mas só hoje o reconhecemos: os holandeses perdiam muitos gols. Mas a marcação hexagonal e em pressão triangular (a imagem que abre este artigo é do jornalista Sérgio Sade, da revista Veja, de 1974 mostra a força da marcação em bloco ante um argentino sufocado). A famosa “linha do impedimento” também (detalharei as táticas ao final). O craque de quatro Copas, o uruguaio Pedro Virgílio Rocha, um dos maiores jogadores da história do São Paulo F.C., comentou em entrevista ao programa Cartão Verde, exibido pela TV Cultura, nos anos 90:
“Por duas vezes procurei minha mãe num jogo de futebol. A primeira foi aos 17 anos no meu primeiro clássico Peñarol e Nacional. A segunda foi contra a Holanda. Eu pegava a bola e logo vinham dois, quatro e seis jogadores deles em cima de mim. Fizeram isso uma, duas, três vezes. Era impressionante…”
(Pedro Rocha, capitão da Seleção Uruguaia de 74)
No jogo seguinte, o time abusou em perder gols e parou na sólida defesa sueca. Empate sem gols. O último jogo da primeira fase foi uma festa: 4 a 1 em.cima da Bulgária. Nascia ali a Clockwork Orange ou Laranja Mecânica. Uma alusão ao uniforme laranja da Casa Real de Holanda e ao filme de Stanley Kubrick, uma distopia encenada no ano anterior por Stanley Kubrick e baseada no livro homônimo de Anthony Burgess (releia, clicando aqui ou no final deste post, o artigo “O Brasil atual é tão ‘horrorshow’ que qualquer pitanga do mato nos tritura” sobre o livro e o filme).
O Futebol Total da Laranja Mecânica comandada pelo genial Cruyff
Veio a segunda fase. Mais um sul-americano com fama de copeiro: a Argentina. Foi um massacre: 4 a 0. Fora a chuva no gramado e de gols perdidos no segundo tempo. Com direito aos dois primeiros gols de Cruyff. Baladeiro, fumante inveterado, o atacante mostrava a força do número 14.
Na partida seguinte outra vitória fácil do Carrossel holandês, como simplória e provincianamente denominou a imprensa brasileira, desta vez contra a República Democrática Alemã ou Alemanha Oriental. Faltava a última partida. A Holanda só precisava de um empate, mas resolveu fazer os então tricampeões mundiais dançar no gramado. O Brasil, apesar de forte tecnicamente, foi massacrado taticamente.
Perdido nos 90 minutos de jogo, abusou da violência. O habilidoso zagueiro Luiz Pereira foi expulso após uma canetada sem bola – e foi pouco. Se o árbitro tivesse sido mais rigoroso teria expulsado Zé Maria e Marinho Perez. Assim como no jogo contra o Uruguai, os holandeses abusaram da displicência nas finalizações.
Poderiam ter feito cinco ou seis gols no Brasil. Leão, o goleiro canarinho, salvou pelo menos duas bolas certas. Os jogadores dos Países Baixos possuíam um andar meio “blasé”. Algo como: “Somos muito melhores do que vocês, daqui a pouco a gente joga.” Isso pesou não só em 1974 mas até a Copa seguinte na Argentina, em 1978, embora menos. Final de jogo: Holanda 2, Brasil 0.
Veio a grande final em Munique. A Alemanha jogava em casa. Os germanos estavam comprometidos 100% com a decisão, assim como os argentinos em 1978. E possuíam uma grande equipe. Tal qual a Holanda tinha a sua base nos Juden, os alemães eram representados pelo Bayern, futuro tricampeão europeu e germânico em 1974-75-76. O time contava com o arqueiro Maier, o médio Vogts, o atacante Müller (15 gols em Copa), além do maior jogador da história do país do chucrute: Beckenbauer.
Para se chegar ao campo do Ajax tem-se de passar pelo bairro judeu de Amsterdã – daí o apelido pejorativo Juden dado ao time desde os anos 1930. Nos 80, os próprios torcedores do Ajax adotaram o apelido e passaram a levar bandeiras de Israel ao estádio, desafiando o antissemitismo.
Mesmo assim, após 36 passes em círculos e apenas 1’20 de jogo, sem a Alemanha sequer tocar na bola, o juiz marca pênalti e Neeskens converte. O chucrute azedou. A partir do décimo minuto, bem organizada taticamente, a Alemanha começa a pressionar. Empata o jogo aos 25′ e Müller vira a partida ainda aos 42 do primeiro tempo.
O segundo tempo tem pressão total da Holanda. Lampejos do Futebol Total. Gols perdidos e boas defesas de Sepp Maier. O jogo acaba 2 a 1 para os conterrâneos de Beethoven. A Alemanha era bicampeã. Pela segunda vez de virada e pela segunda vez derrotando uma seleção melhor que a dela, caso da Hungria, em 1954. Quem azedou mesmo foi a Laranja.
O sonho acabou?
Destaque do Bi Alemão na extinta Placar (Arquivo)
Após a derrota, histórias apareceram. A partir da segunda fase os holandeses mudaram o comportamento. Passaram a cobrar por entrevistas: US$ 350 para jornais, US$ 1.000 para as rádios e US$ 1.500 aos canais de TV(valores atualizados). Na noite que antecedeu à final, os craques convocaram uma reunião com os dirigentes da KNVB (a Federação Holandesa de Futebol) e exigiram: se não recebessem o dobro da premiação prometida não entrariam em campo na final. Acordo aceito, os holandeses, mesmo com o vice, ganharam mais do que os alemães.
Demonstrações de que, na linguagem popular, o time “estava de salto alto”. Perdeu antes de iniciar a partida. Hungria (1954), Holanda (1974) e o Brasil (1982) jogaram um futebol ofensivo, vistoso, eram as melhores seleções, mas perderam o caneco. E no mundo da bola ser o segundo ou o último colocado dá na mesma. O futebol é tão cruel quanto a vida.
Rinus Mitchell voltou ao Barcelona e depois ao Ajax. Nas eliminatórias para a Copa de 1978, a seleção holandesa foi treinada por Zwartkruis. Classificou-se com facilidade. Entretanto, a KNVB resolveu escalar um técnico linha dura para evitar os problemas da Alemanha. O escolhido foi Hernest Koppel, o ex-técnico do Feyenoord. Zwartkruis virou auxiliar.
Há um mês do início da Copa, as brigas eram constantes. Dois titulares de 74 foram cortados, um terceiro se machucou. O goleiro também desistiu de vir a Argentina. Mas o grande baque foi a recusa de Cruyff em disputar o torneio. A primeira fase mostrou a péssima preparação. Uma vitória de 3 a 0 contra o fraquíssimo Irã, um empate sem gols contra o Peru e uma derrota para a Escócia por 3 a 2 (é o jogo que aparece no filme Trainspotting. Veja cena aqui).
Classificou-se em segundo e na sorte. Afinal, a forte Escócia conseguiu a proeza de empatar com o Irã. Com tudo errado, a Federação Holandesa interviu novamente: Koppel virou auxiliar e Zwartkruis o técnico. A desculpa? O primeiro jogo seria contra a Áustria, terra natal de Koppel. O sangue poderia ofuscar a tática. A Holanda meteu 5 a 1.
Na segunda partida, uma revanche contra a então campeã Alemanha. Empate em um gol, mas com amplo domínio holandês. A Laranja Mecânica estava de volta. Na última partida da segunda fase, a Holanda precisava de um empate contra a favorita Itália. Não tomou conhecimento da Azurra e venceu por 2 a 1. A Holanda estava na final. O adversário: a guerreira e raçuda Argentina.
Treinada pelo teimoso Cesar Luís Menotti, que se recusou a levar Maradona com 17 anos, muito jovem segundo o “professor”. Havia grandes craques como Passarela, Ardiles, Kempes (artilheiro da Copa) e o goleiro Fillol. Havia 30 milhões de argentinos cantando pelas ruas. Havia uma ditadura militar que parecia não aceitar outro resultado a não ser a vitória. Foi um jogo catimbado, violento às vezes.
O Monumental de Nunes quase veio abaixo quando a Argentina abriu o placar no final do primeiro tempo. Até os 30 minutos do segundo tempo a seleção dos hermanos dominava dentro das quatro linhas. Mas veio o empate holandês e, por 15 minutos, os argentinos roeram todas as unhas das mãos e dos pés.
Aos 44 minutos do segundo tempo, o Brasil inteiro rezou, mas a bola de Resembrinck passou por baixo de Fillol e foi quicando devagar em direção ao gol argentino. Naquele instante, os deuses do gramado sopraram um vento forte sobre Buenos Aires e a bola bateu suavemente na trave. O zagueiro argentino deu um bico e mandou a pelota para as Ilhas Malvinas.
A prorrogação encontrou uma Holanda extenuada fisicamente e estafada mentalmente. A Argentina fez 2 a 0 com facilidade e ser tornaria campeã com toda justiça. Restou à Holanda a dignidade dos jogadores que deram as costas ao ditador Rafael Jorge Videla na entrega oficial das medalhas de prata. Uma vez mais as lágrimas eram de cor laranja.
Laranja madura
Cruyff e mais um título do Ajax
Cruyff voltou para o Ajax em 1981. Ganhou vários títulos na volta. Na vida de jogador obteve três Champions, um Mundial Interclubes. Mais: oito torneios nacionais e nove Copas nacionais. Fez muitos gols. Foram 597 em toda a carreira. Em 1983, o Ajax não quis aumentar seu salário e ele foi jogar no inimigo Feyenoord. Conquistou os três títulos nacionais daquele ano e, melhor, tornou-se o artilheiro. Penduraria as chuteiras em 1984.
No final dos anos 80, o craque, aposentado virou treinador do Ajax. Foram três anos seguidos de conquistas. Contratado pelo Barcelona ganhou três copas da Espanha, um tetracampeonato espanhol e a primeira Champions do Barça. Diferenciado dentro e fora dos gramados.
A Seleção da Holanda viveu anos de seca. Não disputou as Copas de 1982 e 1986. Ficou fora da Eurocopa de 1984. A sucessão de fracassos fez a KNVB trazer Rinus Mitchell de volta em 1987. A seleção faz ótima campanha nas eliminatórias da Eurocopa de 1988 e se classificou para disputar o torneio na…Alemanha. Era uma geração de craques nova: Ruud Gullit, Frank Rijkaard, Marc van Basten e os irmãos Koeman.
Na estreia, uma derrota para a União Soviética. No jogo seguinte tascaram 3 a 1 na Inglaterra. Classificaram-se em segundo com a vitória sobre a Irlanda. Na semi-final, mais uma vez a Alemanha. Os germanos saíram à frente, mas dessa vez quem venceu de virada foi a Holanda. A final foi contra a URSS. O time holandês dominou totalmente e venceu por 2 a 0.
Dasayev, o goleiro russo, pegou até vento. Rinus Mitchell e a Laranja Mecânica finalmente eram campeões. A própria camisa quadriculada denunciava que não era a mesma laranja de Cruyff e cia. O Futebol Total também foi um pouco deixado de lado, mas o título europeu fez justiça a maior escola tática da história do futebol.
A Laranja não tão Mecânica de 1988 (Foto: Wikipedia)

Futebol Total em 7 Pontos

Afinal, qual a definição desse conceito? Vamos lá:
  • A troca incessante de passes. Para envolver os adversários, havia uma movimentação da bola da esquerda para direita e vice-versa, sempre pra frente, como no rúgbi. Era necessário bons fundamentos para termos passes certos. Três décadas depois, o Barcelona e a Espanha lançaram o “tique-taca”. Curioso que uma das placas nos estádios da Alemanha em 1974 era a das balinhas Tic-Tac. Viria daí o apelido?
  • Pressão no campo adversário. A Holanda passava todo o jogo pressionando o adversário em seu próprio campo. Vários momentos da partida contra o Brasil em 1974 vemos os 11 jogadores da CBF encurralados em seu próprio campo.
  • As passagens laterais. Os holandeses atravessavam o campo de ponta a ponta, desnorteando a marcação adversária.
  • O ponto futuro. Os holandeses passavam a bola num ponto vazio à frente. Sempre pelas laterais. Surpreendentemente, apareciam jogadores em alta velocidade que saíam de trás antes da bola ser passada. Jogada comum hoje em dia e trazida por Coutinho e aperfeiçoada por Telê, no Brasil.
  • Linha de impedimento. Ao perceber que o adversário lançaria a bola para os atacantes, todos os dez holandeses corriam para a frente, deixando-o impedido;
  • Marcação sobre pressão em quem está com a bola. Um holandês encostava firme e outros dois faziam um triângulo de apoio com o primeiro. Se o adversário passasse pelo primeiro o segundo holandês vinha pra cima. Fintado este, um outro triângulo vinha de trás. O adversário via-se cercado por um hexágono. Daí o desespero de Pedro Rocha;
  • E, por fim, o mais importante: não há posição fixa. Vemos Neeskens atacando pelo meio, pela esquerda, pela lateral direita. Cruyff é atacante, noutras jogadas arma o lance, chega até a fazer o papel de líbero. Não havia posição fixa, todos estavam ao mesmo tempo em todas as partes do campo inimigo. Não à toa, Cruyff imortalizou a camisa 14. Tradicionalmente os jogadores usavam os números de 1 a 11. Sendo a número 1 a do goleiro e a 10 do craque do time. A Holanda quebrou todos os paradigmas. O time de Guardiola falhou aí. Ou alguém imagina o Messi de líbero? O máximo que os técnicos de hoje fazem é exigir dos atacantes “voltar para marcar”. Ou, então, convocam o chamado jogador “polivalente”, que joga em diferentes posições no campo. Na Laranja Mecânica, o craque fazia tudo isso num mesmo jogo. Uma coisa revolucionária e insuperável até hoje.
O legado
A pergunta sempre é a mesma: por que ninguém mais tentou aplicar o Futebol Total? Aqui no Brasil tivemos dois técnicos que inovaram e experimentaram um futebol ofensivo e com elementos do holandês: Telê Santana e Vanderlei Luxemburgo (entre 1993 e 2000). A derrota em duas Copas do primeiro e a derrota numa Olimpíada somadas aos problemas pessoais do segundo levaram a vitória dos medíocres.
Toda uma geração de técnicos retranqueiros, em geral, autoritários e nem um pouco afeitos ao estudo tático predominam no Brasil. A pressão por títulos fez muitos técnicos europeus tentar um meio-termo ao Futebol Total. Adotam-se partes das técnicas elencadas (como o tique-taca), mas se mantém as posições fixas e pelo menos no setor defensivo uma solidez maior. Abraçam a causa da revolução mas com os dois pés no conservadorismo. Na verdade, uma bela e anódina laranjada.
A verdadeira Laranja Mecânica de 1974: pôster da extinta revista Placar

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